Igor Pimenta conheceu a namorada em uma micareta.
A bagagem de quem passa pela Rodoviária de Belo Horizonte está repleta de histórias fascinantes e lições de vida. Quem chega e quem vai leva consigo alegrias, dores, amores, esperança e religiosidade.
Julia Boynard, Keneth Borges, Marcela Soares, Maria Júlia Lage
Dormindo entre panos e papelões, enquanto esperava o horário do ônibus pala levá-la de volta à Santa Maria do Suaçuí no Vale do Rio Doce, Naiara Soares, de 17 anos, chamava a atenção das pessoas que transitavam pelo Terminal Rodoviário de Belo Horizonte. Na bagagem da jovem passageira, além de poucas roupas e objetos pessoais, uma história de decepção, tristeza e sofrimentos. A maior parte de seus pertences, ficou para trás, mas segundo ela, nada disso importa, além da criança que carrega em sua barriga.
“Logo que cheguei a Belo Horizonte comecei a namorar um rapaz. Ele sempre foi um pouco agressivo e mantinha relacionamento com algumas de suas ex-namoradas, mas nada que me incomodasse. Hoje, pela manhã, ele me expulsou da sua casa”, conta a jovem, que havia largado sua cidade natal, a 360 quilômetros da capital mineira abandonando os estudos, em busca de emprego na cidade grande.
Dramas como o de Naiara acontecem com frequência no Terminal Rodoviário de Belo Horizonte, por onde circulam, em média, 40 mil pessoas todos os dias. Um olhar mais atento em direção aos transeuntes pode ajudar a descobrir histórias fascinantes, mostrando que as pessoas ali não carregam apenas malas, há quadros missionários, dor, saudades, reencontros e paixões arrebatadoras.
A jovem, que procura o caminho da volta para casa no Vale do Rio Doce, admite o desespero do abandono, mas busca forças no filho para continuar sua vida. “Meu filho precisa de mim. Meu filho não vai ficar sabendo de nada disso. Eu imaginava que o nosso amor seria para sempre. Eu não consigo imaginar como vai ser daqui para frente, é tudo muito recente ainda, só sinto a dor da perda”, revela.
Distâncias Mas nem tudo são dores. Logo adiante, um jovem apaixonado enfrenta a estrada para rever o seu amor. Igor Pimenta, 21 anos, conheceu sua namorada em Porto Seguro no litoral da Bahia, nas últimas férias. Porém, ele não sabia que o seu amor morava a 278 quilômetros, em Campos Altos,na Região do Alto Paranaíba. “Passamos 60 dias juntos em Porto Seguro e depois começamos a namorar. A gente se vê quase toda semana. Nós dois temos disponibilidade para viajar, embora ela venha mais para BH”, conta Igor.
Além da distância, Igor enfrenta outra dificuldade. Marília, sua namorada, é 19 anos mais velha e sua família não aceita este relacionamento. “A gente supera essas coisas. Nada vai acabar com nosso amor”, relata o jovem apaixonado.
O casal Elineia Silvia, 75 anos, e Ronaldo Dias, 74 anos, já estão casados há 27 anos e também convivem com a distância, porém por opção, já que cada um tem sua casa e seu trabalho em lugares diferentes. Elineia, que reside emNiterói, e Ronaldo, em Belo Horizonte, garantem que conseguem lidar bem com a situação e acreditam até que a distância pode ajudar no relacionamento.
Elineia conta que o casal consegue tirar de letra essa distância, e com humor fala que sempre que possível se encontram. “Nos vemos de quinze em quinze dias, depende da saudade e da necessidade”, ressaltou.
Oportunidades A plataforma da rodoviária, também recebe os passos cansados de quem chega e vai em busca do tão sonhado emprego. É o caso de G. S, de 22 anos, que pediu para não ser identificado, que tentou, sem sucesso, encontrar o primeiro emprego de sua vida na capital paulista. Ele estava retornando de uma viagem a São Paulo, onde ficou na casa de sua irmã. “A minha ideia era arrumar um emprego e conseguir me manter. Fiquei por lá mais ou menos 1 mês e meio, mas não consegui nenhum serviço”, conta o rapaz.
Com a situação apertada, ele conta que acabou brigando com seus familiares e foi expulso de casa. Passou por Ouro Branco, onde ficou sabendo de uma vaga, mas não imaginava que para conseguí-la, precisaria de uma indicação. Também sem êxito, está voltando para casa. “Meu dinheiro acabou, estou indo para casa, sem conseguir nada, não tenho nenhum centavo no bolso, o que não falta na minha bagagem é a esperança, ela sim é minha companheira”, afirma.
Em meio a tantas idas e vindas, Gleyson Gomes, 22 anos e Flávia Xavier, 17, estão em lua de mel. Eles se casaram em Coronel Fabriciano, cidade localizada no Vale do Aço, e vieram a Belo Horizonte somente para embarcar para Natal (RN), onde efetivamente passarão a lua de mel.
O casal se conheceu na igreja. Flávia sempre foi muito religiosa, mas Gleyson não. “Há quatro anos eu havia terminado um namoro e meu primo me convidou para ir à igreja, porque eu tava mal. Lá eu conheci a Flávia e aos poucos fui gostando dela”, relata o marido.
O namoro dos dois não foi bem aceito no início, pois, os pais de Flávia achavam que ela era muito nova e não deveria namorar. Aos poucos eles aceitaram o namoro e ficaram muito felizes com a união dos dois.
Missão A religiosidade também passou pela rodoviária, Antônio Rocha Nepomuceno, 48 anos, do Pará de Minas, já está cinco meses longe de casa, ele que trabalha como pedreiro, ganhou de um missionário um quadro de Nossa Senhora Aparecida, e desde então o quadro se tornou companheiro de suas viagens, por onde ele vai, seja a passeio ou ao trabalho o quadro lhe acompanha. “O quadro é meu companheiro, na última obra em que trabalhei no Pará, levei comigo, e levo a palavra de Deus também, esse quadro não pode faltar na minha bagagem”, comentou.
Luis Carlos Ferreira, 59 anos, espera seu ônibus para voltar à sua cidade natal, Perdões, no Sul de Minas. O trabalho de restauração que realiza é sempre ao lado de seus filhos, um trabalho familiar realizado com muita dedicação. “Eu estava trabalhando em um teatro próximo a Nova Lima, estava fazendo sua restauração. Aqui em Belo Horizonte já trabalhei na restauração da Serraria Souza Pinto, e o Museu de Arte e Ofício. Eu vou e volto todo fim de semana para Perdões, onde minha esposa mora. Meus dois filhos trabalham comigo, é tudo bem familiar”, afirmou.
Segundo Luiz Carlos, quando vem a Belo Horizonte realizar esse tipo de trabalho se hospeda no mesmo lugar em que trabalha. “Estico um colchão no chão, ponho um travesseiro que eu carrego e descanso bem. O trabalho é muito cansativo, mas fazendo isso há 38 anos a gente acostuma, e no final é bem satisfatório. Na minha bagagem carrego sempre uma medalhinha de algum santo, mas em especial Nossa Senhora Aparecida”, ressaltou.